A História Pedagógica do Menino P...

Hoje acordei com saudades... Saudades do tempo em que eu trabalhava como terapeuta de crianças com dificuldades de aprendizagem, pois, ser pedagoga, sempre me fez feliz. Lembrei do meu querido aluno P... Um menino teoricamente órfão, cujo pai tinha filhos demais e não tinha condições de criá-lo, e a mãe, segundo a criança, morava no Estado do Pará e provavelmente o abandonou ou pediu para que o pai criasse...
Nunca soube detalhes da vida pessoal de P... pois ele, no começo, quando o conheci, se mostrou uma criança muito sofrida. Quase não sorria, pouco falava, pouco brincava e quando o fazia, brigava com outros meninos, disputava a atenção constante das terapeutas e do psicologo que os atendia.
Mas, o menino P... não era mau. Ele era apenas sofredor. Seu olhar procurava ajuda, e apesar de ser superficialmente distante das outras crianças e dos adultos, a cada dia ele se ligava mais a todos nós, do Instituto.
Até que um dia desabafou comigo, depois de meses de trabalho intensivo, três vezes por semana e de muito brincarmos e estudarmos juntos nas tardes ensolaradas da Capital do Brasil... O menino P... me disse que gostaria muito de ter um par de chinelos. Então, naquele momento me senti uma completa alienada, pois todos os dias ele estudava com dois chinelos de cores e tamanhos completamente desproporcionais ao seu tamanho e ao seu pé. Fiquei segundos infinitos olhando aqueles pequeninos pés sofridos e calejados pela curta vida daquela criança, quase abandonada pela vida, e eu....prestes a deixar aquele serviço, por haver me classificado para o concurso público, no qual trabalho hoje, me senti culpada. Porque nunca percebi, pedagogicamente, que aquele menino não tinha individualidade, privacidade e não era respeitado no orfanato humilde que o abrigava com a dificuldade própria das instituições filantrópicas. Lembro, que naquele dia fui para casa quase chorando por dentro e por fora, pois privacidade é uma coisa que prezo muito, e escutar daquela criança que todos os dias compartilhava todos os seus pertences com várias crianças desconhecidas, sem direito a um único par de chinelos era a prova cruel, de que ele sofria um abandono moral, acima de todas as outras formas de abandono material. E o que todo homem precisa para crescer é ser respeitado em suas coisas, desde seus pensamentos e opiniões, até seus bens e de sua futura família. O chinelo seria a semente do respeito moral de P... eu pensei. 
Naquele mês, lembro que estava muito apertada financeiramente, e o Instituto em que eu trabalhava não tinha condições de dar mais do que eu já ganhava, o salário era humilde, eu tinha outro emprego de professora para suprir as necessidades básicas da família e manter-me, pois no mundo em que vivemos é mais fácil valorizarmos um executivo que vende pastas de dentes do que um pedagogo que educa, orienta, e instrui crianças para suas vidas. Então, pesquisei preços de chinelos nos mercadinhos próximos de minha residência, conferi tamanhos prováveis para caber no pequeno pezinho do menino P... e um mês depois entreguei a sacolinha de chinelos azuis claros para ele. 
Para as terapeutas dessa Instituição, talvez, era um presente estranho, mas o significado real desse chinelo, somente eu e P... sabíamos, até hoje. Ele precisava se sentir gente, cidadão de um par de chinelos que pertencesse a dele, era importante para sua auto-estima, para que seu sorriso abrisse mais, para que seus olhinhos brilhassem, para que seu pai, ao buscá-lo nos finais de semanas e feriados, pudesse ver, que seu filho era proprietário de um par inteiro e normal de chinelos do seu tamanho. Mas, quem se importa com chinelos? O leitor vai pensar... realmente parecia um detalhe tão pueril que ninguém nunca se importou. Somente o menino P... e eu desejo, que hoje, ele tenha muitos outros chinelos em sua caminhava pela vida.

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